No dia 27 de janeiro a Organização das Nações Unidas – ONU convida o mundo todo a fazer memória das vítimas do Holocausto judaico que aconteceu durante a segunda guerra mundial. Passaram-se 78 anos desde quando no dia 27 de janeiro de 1945 foram abertas as portas do Campo de Concentração de Auschwitz na Polônia.

Diante daquelas terríveis cenas, o mundo se dava conta dos níveis de barbárie que a humanidade é capaz de alcançar quando se entrega às garras do mal. Milhões de judeus, ciganos, homossexuais e testemunhas de Jeová foram massacrados por delírio, fanatismo, intolerância e pelo mito da “raça superior”, mas especialmente pela crueldade do homem quando desiste de sua humanidade.


Transportadas como animais em trens de carga e vagões hermeticamente fechados, as vítimas viajavam por 15 dias misturadas com os seus excrementos e os cadáveres daqueles que não resistiam. Quando chegavam ao seu destino, 75% dos sobreviventes eram conduzidos nus para as câmaras de gás, que aparentemente pareciam chuveiros, onde morriam em poucos minutos. Os outros eram amontoados em galpões onde, entre atrozes torturas, esperavam o dia da morte.


“Nunca esquecerei aquela noite, a primeira noite no campo, que transformou minha vida numa longa noite, sete vezes maldita e sete vezes selada. Nunca esquecerei aquela fumaça. Nunca esquecerei os pequenos rostos das crianças, cujos corpos vi tornados em coroas de fumaça sob um céu azul em silêncio. Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram minha fé para sempre”, escreveu Wiesel no seu livro mais conhecido, A Noite.


Entre os muitos horrores descritos por ele, o mais angustiante é a narração do enforcamento de uma criança. A execução aconteceu na frente dos outros prisioneiros que foram forçados a assistir. A morte da criança foi atroz porque o peso leve de seu corpo acabou prolongando sua agonia, forçando-o a um fim lento e doloroso por enforcamento:

“Os nazistas pareciam mais preocupados, mais inquietos do que de costume. Enforcar uma criança diante de milhares de espectadores não era uma coisa qualquer. O chefe do campo leu a sentença. Todos os olhos estavam pregados no menino. Ele estava lívido, quase calmo, mordendo os lábios. A sombra da forca se projetava sobre ele.


Dessa vez, o lagerkapo negou-se a servir de carrasco. Três S.S. o substituíram.
Os três condenados subiram em suas cadeiras. Os três pescoços foram introduzidos nos nós corrediços ao mesmo tempo.

Viva a liberdade! – gritaram os dois adultos.
O pequeno, calado.

Onde está o bom Deus, onde Ele está? – alguém perguntou atrás de mim.
A um sinal do chefe do campo, as três cadeiras foram derrubadas.
Silêncio absoluto em todo o campo. No horizonte, o sol estava se pondo.

Descubram a cabeça! – berrou o chefe do campo. Sua voz estava rouca. Quanto a nós, estávamos chorando.
E começou o desfile. Os dois adultos não viviam mais. Suas línguas pendiam, grossas, azuladas. Mas a terceira corda não estava imóvel: tão leve, o menino ainda vivia…
Por mais de meia hora ele ficou assim, lutando entre a vida e a morte, agonizando sob nossos olhos. E tínhamos de olhá-lo bem de frente. Ainda estava vivo quando eu passei diante dele. Sua língua ainda estava vermelha; seus olhos, ainda não apagados.
Atrás de mim, ouvi o mesmo homem perguntar:

E então, onde está Deus?
E senti em mim uma voz que lhe respondia:

Onde Ele está? Ei-Lo – está aqui, nesta forca.”

Fazer memória do Holocausto não é um simples ato de pesar, uma oportunidade para ressuscitar sentimentos de culpa ou um estímulo para promover o desejo de vingança. Não pode ser usado para incentivar revanchismos ou alimentar o ódio e a rivalidade entre as nações. O Dia da Memória serve como uma alerta sobre o que pode acontecer quando o preconceito, o ódio, o racismo e a intolerância têm o direito de cidadania em nossa sociedade e chegam até a contaminar as decisões de governo.


Lembrar-se desse e de outros crimes contra a humanidade cometidos ao longo da história torna-se um exercício de grande valor ético quando nos ajuda a intensificar a nossa indignação para com as violações dos direitos humanos e a fortalecer o nosso compromisso com a defesa e a promoção da vida e da dignidade humana.


Lembrar esse dia significa empenhar-se para garantir que todos os seres humanos, independentemente da cor da pele, etnia, orientação sexual, idade, religião ou escolhas políticas, devem ser tratados com respeito. Comemorar este dia, finalmente, significa assumir publicamente que o nosso lugar é definitivamente ao lado das vítimas desmascarando e denunciando todo tipo de carrasco. “Eu sei que os assassinos existiram e que os confundir com suas vítimas é uma doença moral, um precioso serviço prestado (voluntariamente ou não) aos negadores da verdade” (Primo Levi”. É vergonhoso negar esta triste página da história e pior ainda perceber que tem (des)humanos que querem repeti-la.

(Padre Xavier Paolillo, Missionário Comboniano)

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